Muito tem se debatido sobre a criação das Centrais de Comunicações Virtuais e seu papel no Poder Judiciário.
Por um lado, a tese de que as Centrais de Comunicações Virtuais representariam um avanço no processo de modernização do serviço judiciário, na busca por maior celeridade e eficiência.
Por outro, a industrialização digital do sistema de comunicações processuais, ao custo do serviço técnico e especializado realizado por Oficiais de Justiça e Técnicos Oficiais de Justiça.
Inicialmente, deve-se destacar que no contexto das comunicações processuais eletrônicas, a legislação e os normativos do Conselho Nacional de Justiça, como a Resolução CNJ nº 354/2020, impõem requisitos rigorosos, como protocolos seguros, confirmação inequívoca de recebimento e a condução do ato por servidores habilitados.
Contudo, após análise do Projeto Piloto da Central de Comunicação Virtual, acompanhada de diversos relatos relacionando inconsistências e irregularidades na aplicação desse modelo, urge a necessidade de rever tal expediente.
Ao permitir que atos processuais de natureza solene, como citações, intimações e notificações, sejam realizados sem observar as cautelas normativas que os regem, instaura-se um cenário preocupante de prejuízo jurídico, institucional e social.
Isso porque as citações e intimações não são meros atos burocráticos.
Tratam-se de atos formais, solenes e essenciais para garantir o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, pilares constitucionais expressos no artigo 5º da Constituição Federal.
A ausência de certas cautelas e formalidades legais pode, inclusive, comprometer toda a cadeia processual subsequente. A comunicação processual feita sem a observância desse regramento não é apenas um vício formal: ela fere de morte a segurança jurídica, gera insegurança às partes e pode anular decisões, audiências, sentenças e, em casos extremos, processos inteiros.
Além disso, não se pode ignorar a precariedade em transferir a terceiros, competências que a lei reserva expressamente aos Oficiais de Justiça e Técnicos Oficiais de Justiça, agentes públicos dotados de fé pública e cuja atuação possui presunção legal de veracidade e legitimidade.
No aspecto prático, a ausência da figura do Oficial de Justiça na execução desses atos acarreta perda de qualidade na prestação jurisdicional. A análise situacional, a prudência na condução das diligências, o reconhecimento de exceções legais, a condução de atos que demandam sensibilidade social e jurídica — tudo isso depende de conhecimento técnico, jurídico e de experiência, algo que não se espera de um estagiário ainda em processo de formação acadêmica, mesmo que supervisionado por servidores efetivos.
Vale dizer: a execução de mandados judiciais não se resume a um clique de botão ou disparo de mensagens.
A mecânica de trabalho envolve avaliação criteriosa, confirmação inequívoca da identidade da parte, zelo no cumprimento das determinações judiciais e a capacidade de certificação dos fatos ocorridos no ato, que, quando lavrada pelos cumpridores de mandado, possui valor probatório qualificado.
Além dos aspectos legais, há consequências institucionais igualmente preocupantes.
A desvalorização da função do Oficial de Justiça e a substituição informal de sua atuação por meios rápidos e digitais fragilizam a legitimidade do Poder Judiciário. A percepção de precarização da justiça por parte da sociedade pode minar a confiança no sistema e ferir os princípios da legalidade, eficiência e moralidade administrativa.
Portanto, embora as Centrais de Comunicação Virtual possam ser entendidas como ferramentas de apoio tecnológico e de racionalização administrativa, elas jamais podem se transformar em um subterfúgio para suprimir, precarizar ou terceirizar a função do Oficial de Justiça.
A modernização do Judiciário não pode ocorrer à custa da legalidade, da segurança jurídica e da credibilidade institucional. A tentativa de substituir o trabalho técnico e qualificado do Oficial de Justiça por procedimentos automatizados potencialmente desprovidos das cautelas normativas representa não apenas um retrocesso institucional, mas uma afronta aos princípios fundamentais que regem o devido processo legal.
Nessa linha, a Assojepar reitera seu compromisso na defesa substancial de Oficiais de Justiça e Técnicos Oficiais de Justiça, e prepara expedientes junto à Corregedoria-Geral de Justiça do TJPR a fim de suspender a implantação das Centrais Virtuais de Mandados na forma que se encontra proposta.
Henrique D. Oliveira
Diretor de Assuntos Jurídico